sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sobre o post anterior

O que pareceu foi que sou uma anti-natal, revoltada, que odeia o natal e presentes.
Bem, se foi isso, retifico totalmente o que disse.

Não odeio o natal. Nem a ceia. Nem os presentes. Nem a decoração.

Para falar a verdade, gosto muito, desde pequena.

O que não gosto é dessa hipocrisia enlatada, embalada, vendida em varejo com desconto para o atacado.

Acho legal esse entrosamento entre a família, entre os queridos. Até a troca de presentes. Mas viver dezembro em função disso, ficar frustrado com valores de presentes, cumprimentar e depois falar mal da roupa, ficar endividado para agradar... isso eu não apoio.

Eu acho que natal é mais que isso, não tão somente isso.

A gente não precisa da metade das coisas que acha que precisa. Mas quer muito. É esse o ponto.

O quanto é necessário para um sorriso verdadeiro no natal?

Há pessoas que moram em cômodos de pouco mais de 5 metros quadrados, que decoram garrafas plásticas (de Dolly guaraná, porque é verde ^^) chamando de árvore de natal, que conseguem meio quilo de lingüiça para a ceia e ainda assim, estão sorrindo.

Sem querer dar uma de chata ou qualquer lição de moral. Mas apontando que os valores errados são mais pagos nessa época do ano. Em cheques pré-datados.


Feliz Natal atrasado (ou BEM adiantado).

Feliz ano novo.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Dois dias para depois de amanhã.

Faltam dois dias para a gente fingir que tudo é bonito, que nos amamos, encher a pança e a cara.

Faltam dois para os próximos 6 meses em dívidas valerem a pena, só pela satisfação de um sorriso material e plástico.

Faltam dois dias para tudo apagar e acender, como os pisca-piscas decorando as casas. Pisca a fé, pisca a harmonia, pisca a amizade, pisca o amor. E depois apaga. E fica tudo embaraçado até o ano que vem, quando tiramos do armário, junto com o pó e trabalhamos feito loucos para reativá-los. Pelo menos por 20 dias, até tudo ser emaranhado de novo e a rotina se repetir anualmente.

Faltam dois dias para o tender, o peru, o chester, o pernil. Para a cidra, o vinho, a carne.

Faltam dois dias para o evento que motiva minha revolta e alegria (contraditório não?) e por ventura, motiva meus posts, se concretizar.

Faltam dois dias para a gente fingir tudo isso. Esse teatro cristão que qualquer pagão comemora.
E ateus brindam, e judeus clamam, chamando de Chanukak.

Faltam dois dias para a gente lembrar que é hipócrita o ano inteiro, mas acobertar-se da própria hipocresia para perceber isso.

Faltam dois dias para depois de amanhã.

E o que isso quer dizer?

Aperte-se em shoppings. Exprema-se em lojas. Compre. Compre mais. E mais um pouco. Decore sua casa e sua cara. É natal.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Capítulo VIII

Leia antes:

Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII

Do alto do seu apartamento no 13º andar, naquela tarde chuvosa e fria, cinza e triste, ela viu um chapéu na rua. Não era um chapéu somente, alguém o usava, logicamente. Mas suas abas eram tão grandes que cobriam todo o resto de seu dono. Ou dona. Era vermelho, de feltro, com uma enorme faixa de cetim preto logo acima da aba, simulando um Panamá.

Intrigada, ignorando agora todos os ruminantes, cookies, canecas ou qualquer outra coisa, só observou o chapéu movimentar-se com seu respectivo dono. Ou dona.
Seguiu-o com os olhos. Foi primeiro a banca de flores, saindo de lá com um buquê de gerberas. Depois à revistaria, onde comprou um guia turístico de Paris e outro de Amsterdã (não há causa exata para tal comportamento, pois estavam em Londres, mas certas coisas não precisam de explicação), junto com o Daily Mirror do dia e uma revista em quadrinhos do Wolverine. Por último, entrou no café/livraria do tio da moça de olhos cinzas.

A curiosidade não lhe permitiu trancar-se enquanto tão exótica figura podia entreter-lhe as vistas. Desceu o mais rápido que pôde, apanhou seu avental rubro e desceu rapidamente as escadas. Sim, 13 andares de escada, por ter legítimo pânico de elevadores ou qualquer local fechado.

Nota:
Quando criança, brincando de esconde-esconde com seus primos mais velhos, permaneceu 8 horas trancada em um armário embutido na casa da sua avó. Não por opção, pois a tranca ficava do lado de fora. Fora encontrada aos soluços quase inaudíveis depois de tanto chorar. Não dormiu por 3 semanas sem a presença da mãe e nunca mais deixou-se no escuro, nem por um instante sequer. Nem que fosse pela luminária em forma de lâmpada mágica do Aladdin que seu já citado tio lhe dera em uma das viagens à Disney com os gêmeos.

Uma gota de suor desceu delicadamente no meio de suas costas quando terminou de descer as escadas.

Nota²: esse apartamento é o citado nos primeiros capítulos, não a inicial moradia da moça misteriosa de olhos cinzentos, que ficava no mesmo prédio do café/livraria.

Correu e atravessou a rua. Antes de adentrar a porta com a sineta prata, retomou seu fôlego e parou quieta um instante, na esperança de não ter sido vista correndo tão desesperadamente por uma situação visivelmente patética.

Abriu a porta. A sineta tocou. Olhou todas as mesas azuis-cobalto, procurando o chapéu de feltro vermelho. Encontrou-o. Só que não estava mais na cabeça de seu dono. Ou dona. Estava no mancebo recém-adquirido pelo tio em mais um dos antiquários que adorava visitar.

Os olhos cinzas murcharam como duas rosas perto de nitrogênio líquido. Sentou-se no balcão de carvalho com tampo de mármore amarelo, pronta para amarrar seu avental, quando ouviu uma voz fina, aguda, não irritante, mas dócil e amigável, como aquelas das canções de ninar, que observou:

- A cor do seu avental é bem... peculiar.

A moça virou seu longo cabelo liso e preto para vislumbrar quem teria dito. Era uma mulher. Sardas leves nas bochechas e nariz arrebitado davam um ar juvenil ao rosto de lábios finos e enormes olhos cor de avelã. Tinha o cabelo cor de avelã também e usava um casaco listrado.

De repente, a moça teve um lampejo e formulou a resposta em questão de segundos:

- A do seu chapéu também.

Rindo de lado e abaixando um pouco a cabeça, com aquele típico ar de malandra, a mulher de listras olhou alguns instantes para os sapatos da moça e questionou:

- Como sabia que era meu?

E com uma voz fria e segura, respondeu:

- Que pessoa repararia em uma cor tão "peculiar", se ela própria também não a usasse?

Intrigada, a dona do chapéu insistiu (com veemência) para que a moça da boca rouge sentasse e tomasse um café expresso com ela. Relutante, não concordou, até seu tio passar por ela e dizer:

- Oh, mas que coisa, parece que já conheceu nossa melhor cliente. Eu não ousaria recusar-lhe um café expresso... pode ser encarado como ofensa e ela nunca mais voltar aqui...

Riu-se e saiu, deixando ligeiramente corada sua sobrinha, antes tão segura, agora desmontada sobre uma banqueta de madeira num balcão de mármore amarelo e carvalho, deixando-se ouvir pela moça do chapéu vermelho, que agora empurrava-lhe o "The Mirror", enquanto passava os olhos pela revistinha do Wolverine.