segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sobre os estímulos neurológicos que me fazem apaixonar-me por estúpidos


A foto acima não é autoral, mas poderia ser. Ela na verdade é a ilustração de um estudo (em andamento) que tenho feito acerca dos males do coração. E não estou falando de coronárias. "Beije-me, estúpido" poderia ser o tema de diversos ensaios poéticos (dessa vez autorais) altamente empíricos. Porque eu só me apaixono por estúpidos.

O fato de apaixonar-me por estúpidos possui uma vantagem apenas, e por ventura, é a única desvantagem também: estúpidos, como o próprio predicativo o sugere, são autores de estupidezes. Vale a máxima forrestgumpiana: "Idiota é quem faz idiotices, Sr.". Pois bem, eu posso amar um idiota, mas é pelo estúpido (e quanto mais estúpido, mais apaixonante) o legítimo vencedor do leilão afetivo realizado ao longo dos últimos anos em minha humilde passagem no terceiro planeta do Sistema Solar.

Por serem estúpidos, eu já espero que seus atos venham desprovidos de lógica e coerência, afinal, é parte da natureza que me faz gostar deles. E igualmente, por serem estúpidos, eles costumam me machucar profundamente, o que me torna uma igual a eles - gostar de suas estupidezes, ainda que sofra com elas.

Nessas horas, os discursos de Platão se dissolvem e tudo o que vejo é Schopenhauer sentado sozinho em uma mesa de boteco, já bêbado e com uma das barras da calça viradas. É quase uma apoteose. Tudo se faz claro, recobro a lucidez perdida entre estupidezes e estúpidos e prometo ser mais seletiva na próxima escolha.

Li recentemente que Mark Zuckerberg está negociando a tecnologia de bloquear assinaturas do mural do Facebook para um laboratório russo que a testará em voluntários para testes cerebrais. Dizem que o cerebelo é capaz de mandar ou deixar de mandar estímulos neurológicos relacionados aos hormônios da paixão de acordo com a corrente elétrica da atividade ao mensurar as lembranças de algum estúpido. Espero que funcione.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A primeira entrevista do ano

Era uma quinta-feira nublada e com cara de segunda. Isso em pleno verão. Isso no terceiro dia do ano. Mal havia saído das ressacas (morais ou etílicas) das festas de final de ano e lá estava eu, preocupando-me com o que vestir para a primeira entrevista do ano. E a primeira entrevista depois de formada. Em uma redação. De verdade, daquelas com tipos exóticos que usam All Star amarelo e óculos retrô ou velhos de guerra do jornalismo, sempre trajando mau humor e camisas sociais com padrões horríveis da década de 1980, em contraste com as calças cáqui e os cintos caramelo. Lá ia eu.

A entrevista era depois do almoço. Estava sem fome, acordei às quatro da manhã e comi macarrão com queijo, joguei algumas alcaparras e tomei duas taças de vinho chileno na esperança de conseguir dormir. Aquela coisa que uns chamam de insônia, outros de ansiedade e que costumo me referir como "síndrome de precisar ter que dormir e nenhuma capacidade para tal". Acontece.

O dia pedia galochas e ao contrário dessa legião que acha São Bernardo do Campo a Londres do ABC, minhas galochas são azuis. Sem tartam, sem grafismos ou caveiras com rosas. Azul marinho, sem graça e tipicamente identificável nos pés das melhores cantineiras das escolas públicas. Lembrei dos meus tempos de escola e de uma cantineira apelidada de Misu. Nunca entendi o apelido e nunca soube o nome dela. Para ser sincera, eu nem lembro ao menos de seu rosto. Mas lembro que vendia o melhor enroladinho de pizza que já provei na vida. O melhor até o momento, até hoje, até minha vida na presente data: 3 de janeiro de 2013. O dia da primeira entrevista de verdade numa redação depois de formada.

Nunca me preocupei muito com a maneira de me vestir. Busco peças aleatórias que me impeçam de ser presa por atentado ao pudor e está bom. "Para quem é, bacalhau bosta", bem diria minha mãe ao fazer um legítimo trocadalho do carilho com a frase original. O problema é que entrevistas exigem uma apresentação menos teen, mais profissional - mas sem excessos, afinal, sou jornalista, não promotora da justiça ou vendedora de enciclopédias. Alguém ainda vende enciclopédias? E se o faz, ainda o faz de gravata?

Pego o vestido mais bipolar do guarda-roupa, coloco uma meia-calça cinza e calço as galochas. Um lenço de bolinha no pescoço e a bolsa (que mais parece um bornal) de couro com o nome de um italiano famoso (furtada do armário da minha avó, restaurada com hidratante barato e em plena atividade). Estou pronta. Alguns diriam que é despretensão chic, outros, ugly beauty. Mas se resume a: não tenho muita imaginação para me vestir.

Fui para o ponto de ônibus movida pelo desejo de comprar uma bicicleta com cestinho. Sempre quis uma bicicleta com cestinho. Dessas que as mocinhas nos filmes colocam margaridas e saem pedalando com seus vestidos floridos por ruas em Paris. A diferença é que meu vestido não era florido. E eu não estava em Paris. Meu destino era outro. Meu estado de espírito idem.

Após girar a roleta, agora R$ 3,30 mais pobre, procurava um acento não molhado, não sujo, não próximo a alguém com cara de molestador de criancinhas ou fã de Oasis (e enfatizando isso com seus fones de ouvido no último volume). Pesquisei em vão e decidi ir em pé até o Terminal.

Eis que cheguei e as pessoas em volta, vulgo os "locais", me olham como se eu fosse um OVNI besuntado na Becel. Devem ser as galochas e não dou muita atenção. Sigo o meu destino. Após caminhar 20 minutos e perguntar para 35 pessoas se conheciam o endereço, quase morro atropelada em uma avenida de mão dupla por conta de um Chevette branco que furara o semáforo. E na corridinha encontro a tal redação, que há preciso 30 passos, a moça de legging de guepardo disse que nunca tinha ouvido falar.

Parei, olhei ao redor, vejo uma fresta entre uma Kombi branca e o portão. Bato na porta de vidro e entro. Uma recepcionista com longos cabelos negros que não parecem de verdade sorri e questiona meu objetivo.
Respondo que tenho horário marcado com a Selma. Ela, sem desmontar o sorriso, responde que a Selma ainda não havia chegado e digita compulsivamente o ramal dela. São 17h. A chuva me atrasou 20 minutos do meu horário previsto. Selma, ao telefone, tinha me instruído a chegar após às 15h30. Eram 17h e Selma não estava lá.

Após 15 minutos, a moça sorridente disse que eu poderia subir dois lances de escadas, pois a Judith faria minha entrevista. Agradeci e subi, dobrando a esquerda na poltrona de courino preta do segundo andar. Minhas pernas tremiam. Era a primeira entrevista depois de formada. Entrei e vi diversas baias opressivas com topos de cabeças que pareciam fumegar. Uma senhora de aparência cansada esboçou um sorriso e me convidou a sentar. Me sentei.

- Então, você é a Elsa.

Fiz um sinal positivo com a cabeça.

- Prazer, sou a Selma. Então, a gente vai te fazer um teste, muito simples, você conhece o ABC?

- Há quase 24 anos - respondi.

- Ótimo, então você tem noção do panorama pós-eleições das 7 cidades, certo?

- Sim, eu costumo acompanhar.

- Bem, de qualquer forma, tudo isso está muito fácil na internet. Eu quero um texto de aproximadamente 3000 toques sobre as os eleitos e mais um artigo de até 2000 toques sobre qualquer tema.

- Qualquer tema?

- Sim, você tem 30 minutos, boa sorte.

Sentei naquela cadeira quente e observei o monitor antigo com espasmos diante de um documento aberto e em branco no Word. Comecei pelo texto obrigatório e falei do cagão do Aurichio (não com estes termos), do Verde Michels em Diadema, do Grana em Santo André e o reincidente Marinho e por ai vai. Terminado, me restavam 9 minutos para o artigo sobre o tema que quisesse.

Olhei para a redação. Olhei para a Selma e sua fadigada feição. Olhei para as minhas galochas. Pensei no jornalismo. Pensei na faculdade. Pensei em tudo que ainda não havia pensado desde o dia em que foi anunciada a minha nota do TCC. E despejei tudo em quase 5000 toques. "A Selma vai ficar putaça" foi o pensamento final. Avisei-a de que tinha acabado e ela disse para eu salvar no desktop em um arquivo com meu nome. Disse que se gostasse, me ligaria e me dispensou rapidamente. "Ela deve estar abarrotada de trabalho."

Agradeci, desejei feliz ano novo e desci as escadas. Olhei para a recepcionista e suas longas madeixas negras que contrastavam com seu batom nude. Desejei a ela também um ótimo 2013 e saí. Já havia parado de garoar e decidi ir andando até a estação. Algo que me diz que o texto obrigatório me contrataria, mas meu artigo provavelmente me botou na geladeira. Ossos do ofício.

* Esse texto é ficção, porém com alguns fatos verídicos. Quais eu não direi. E os nomes não correspondem aos nomes legítimos por pura vontade da autora.