sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A arte de cagar-regra

Acredito que a cagação de regra — tal como a zoeira — nunca terão fim. E que seu começo se deu nos primórdios, quando um neandertal foi cagar de um jeito e outro lhe deu com o tacape na cabeça para mostrar como se cagava certo.

Arrisco ainda dizer que seja até antes, quando um ainda macaco foi comer uma banana e chegou outro, mostrando qual lado deveria ser mordido primeiro. Não se sabe o começo, não se sabe o fim. Mas a cagação de regra se perpertuou ao longo dos milênios e está ai, irredutível e a mesma, tal como o Keanu Reeves.

Essa arte milenar ganhou repercussão ainda maior quando um alemão decidiu que era hora de criar a prensa. Ocioso da vida, Gutenberg foi lá e possibilitou que a Igreja Católica — uma das maiores instituições de cagação de regra de todos os tempos — pudesse cagar suas regras de maneira escrita e em larga escala.

Nos séculos sucessores, as tecnologias industriais estavam ali, a bel prazer da cagação de regra para que fossem utilizadas. E foram. No final do século XX, esse patamar já tinha alcançado algorítimos e sequências binárias graças ao digital.

E hoje, mais de uma década depois da entrada do século XXI, a cagação de regra se perpetua para além do cagar, do descascar banana, da orientação sexual, vestimentas, gostos pessoais.

Ela chega até na a palma das mãos entediadas e tediosas que, do alto de seus teclados, dispõem de um vigor para determinar o que pode ou não.

Smartphones engatilhados disputam atenção com o mundo real. Porque na internet, a regra é cagar regra.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Cá está: Crise Pré-26

Inicialmente, vamos às definições do termo segundo o Dicionário Priberan da Língua Portuguesa. Crise vem do latim crisis e do grego krisis - éos, ato de separar, decisão, julgamento, evento, momento decisivo. E também pode ser um tecido muito fino feito de lã branca.

Tendo em vista o significado, solicito ao leitor que interprete-o na seguinte retórica da maneira que preferir. Não sou responsável pela interpretação que as pessoas têm do que escrevo e, caso seja, realmente não me importo.

Pode chamar de mimimi, de Drama Queen, de exagerada, de prepotente, arrogante de Cármen Miranda ou Josefina. Se tem algo que eu não tenho mais saco é ter que ficar explicando as coisas. Isso não combina muito com a carreira acadêmica que pretendo seguir, mas até lá, desenvolvo esse lado. Ou meus alunos me acharão uma megera e está tudo certo.

Crescer dói para caralho. Física e emocionalmente. O lance é que no corpo, ficam as estrias - a ruptura da derme que consiste nas cicatrizes desprezíveis em nádegas, barrigas, pernas transeuntes do verão. Isso ocorre quando há um crescimento abrupto, sem a produção de colágeno suficiente para amenizar esse processo. E lamento informar, não tem cura para isso. Alguns tratamentos podem amenizar a aparência, mas a lesão sempre vai existir. Assume que dói menos.

Já o outro crescimento - o emocional, humano, da psiquê ou o raio que seja - não é notável aos olhos. Ao menos, não tanto quanto as estrias. Acontece simplesmente e sequer nos damos conta. Só que está ai, latejando, pronto para evidenciar sua grandeza. O lado bosta é que só nos damos conta disso quando empurrados do penhasco do autoconhecimento. Daí o instinto de sobrevivência berra "SE VIRA NEGO". E você se vira, sem hesitar. Se vira ou se fode. A escolha é sempre sua.

Nessa crise Pré-26, eu me viro porque não quero me foder. Esse um quarto de século me ensinou (na porrada muitas vezes) que até a maior bosta tem seu lado bom. A lição foi aprendida e, no maior estilo compostagem, estou tirando energia de tudo o que é ruim para o próximo ano astral.

Quanto as coisas boas, dessas eu não falo. Essas eu aproveito, esgoto até a última gota, escondo, reservo. Isso é meu e não vai sari daqui. E nem aqui. Das escolhas oferecidas pelo Priberan, eu escolho a crise como momento decisivo. SE VIRA OU SE FODE.

E eu me viro.

Leia também (ou não, como quiser):

Crise Pré-25
Crise Pré-24

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sobre algodão doce e arco-íris

"Eu não sei a razão, mas sempre associo as palavras algodão doce com arco-íris." Gargalhou descendo as escadas e parou em frente ao banco de madeira daquele prédio tão familiar. A praça, sempre cheia, zunia enquanto ia à caça de um cachorro-quente.

Sete anos depois, outro hemisfério ficou com sua gargalhada e há muito não lembro nem de arco-íris, nem de algodão doce. O tempo, a distância e o frio endureceram as lembranças, textos, palavras e risos já empoeirados no escaninho do peito.

Ao ajeitar o livro Lolita na minha estante, lembrei da vez que teve alergia aos ácaros ao pegá-lo emprestado na biblioteca. E dessas miudezas todas, como após um ano e meio, achar um bilhete no caderno de francês.

Hoje, entre indas e vindas, eu lembrei de tudo isso para te desejar algodão doce e arco-íris. Trilhas livres, arborizadas, um cheiro constante de café e um percurso trilhado pelo Yann Tiersen. Se a Amélie Poulain pode, você também pode.

Feliz aniversário. A felicidade de uma criança que devora um algodão doce debaixo do arco-íris. Hoje e sempre.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cabra marcado para documentar

O domingo foi ensolarado e um dos mais quentes, mas depois da notícia do suposto assassinato de Eduardo Coutinho, o humor já não era o mesmo. Segundo os tabloides, o cineasta estava em seu apartamento no Rio de Janeiro quando foi ferido por seu filho, Daniel Coutinho. Daniel sofre de esquizofrenia e, num surto psicótico, esfaqueou pai, a mãe e tentou se matar.

Mas eu não quero escrever sobre a morte de Coutinho, por mais trágica que tenha sido. Quero escrever sobre a vida. A dele e a de seus filmes. Porque foi isso que me fez lamentar tanto ao saber que o Brasil perdia um dos maiores nomes do cinema e o maior documentarista que já teve.

Conheci o trabalho de Eduardo Coutinho na faculdade, em uma aula de documentário. O professor Valdir Boffetti é o culpado, passando vários trechos de "Cabra Marcado Para Morrer" e relatando o incrível modo como o documentarista conduziu tal filme, mesmo com as interferências de uma Ditadura Militar. Coutinho ganhou meu coração.

Depois desse, vi mais alguns, como "Edifício Master" e "Jogo de Cena". Eduardo Coutinho é o nome que eu carrego comigo desde 2007, que foi a razão de querer estudar cinema. Que me fez ter estômago e vontade para ir de ônibus até Canudos, contando a história do sofrido povo baiano. O personagem é o tema, a vida dele, o que ele contar.

"O filme depois de pronto, não é mais meu, eu sou mais dele." Embora eu acredite que um filme nunca tem fim, nós simplesmente o paramos, essa é a premissa. A partir do momento que paramos, ele não é mais nosso, é do mundo.

Coutinho marcou época, marcou a mim, marcou a história do documentário brasileiro. E isso, para quem estudou jornalismo e estuda cinema, é muita coisa. O país perdeu ontem o pai de um Kikito por conjunto da obra e eu simplesmente lamento imensamente que o desfecho tenha sido brutal, ao invés de qualquer profecia que faziam quanto aos três maços de cigarro que Coutinho fumava, mesmo com seus 80 anos. Ou de tempo, de vida. Porque sua vida e seu trabalho era justamente a vida e o trabalho - seja a de João Pedro Teixeira ou a adaptação da obra de Tchekhov.

Descanse em paz mestre.



sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Infinito enquanto dure

O Vinicius de Morais disse que nunca pensava no futuro, pois logo, logo ele vinha. Eu prefiro não pensar no passado, porque não há muito o que possa ser feito.

Eu saí de casa disposta e feliz, mesmo em um calor de 37º. Coloquei meu vestido florido e minha Melissa Liberty azul, que combinava perfeitamente com a estampa do vestido. 

Tudo lindo até caminhar debaixo do sol com o sapato esquentando e fazendo bolhas no meu pé. Eu me acalmava toda vez que olhava para aquela estampa florida - flores me acalmam.

Já perto de casa, o mundo desabou em forma de chuva. Fiquei contente, por estar com minha linda sapatilha e sabia que se molhasse, não iria estragar. Desci do ônibus debaixo do toró e caminhei cerca de 40 passos até a sorte me apunhalar pelas costas.

Ao subir um degrau na calçada, virei o pé esquerdo, a sapatilha do pé direito escorregou e foi embora com a enxurrada. Mesmo com o pé torcido, ainda tentei correr atrás dela por mais 3 quarteirões. Em vão.

Uma boca de lobo engolira a minha querida sapatilha. O meu pé latejava agora, eu estava ensopada - parte pelo tombo, parte pela chuva na corrida. Parei debaixo de um toldo e chorei. Chorei porque estava dolorida, chorei porque estava ensopada. Chorei porque não consegui recuperar minha Melissa favorita que levei 3 meses para conseguir comprar (na promoção ainda por cima).

Parece idiota, é só um sapato. Mas enfim, me senti uma Cinderela moderna, cuja madrasta era a chuva, as irmãs invejosas a correnteza e a boca de lobo. Sem príncipe, sem fada madrinha.