quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Crise Pré-28 e o Poli da Tilibra

Esses dias, a caminho do trabalho, estava ouvindo Outkast e me lembrei exatamente de onde estava quando "Hey Ya!" foi lançada: na escola, tocou na rádio, durante o intervalo. Eu tinha 14 anos e minha maior ambição era ter um fichário Poli, da Tilibra.

Digo isso porque, às vésperas de completar 28 anos, retomo a Crise Pré-Aniversário. A publicação já ganhou periodicidade cativa por aqui, e este ano não poderia ser diferente. Mas voltemos ao Outkast, à música e aos 14 anos.

Em 2003, eu fiquei doente por causa de um fichário da Tilibra. Sabia que meus pais não podiam comprar e, mesmo sendo uma filha dedicada, que além estudar, os ajudava na confecção de bolsas, o orçamento não permitia essa façanha. Eram R$ 65 em um pedaço de plástico que iriam fazer muita falta. Mesmo assim, the heart wants what the heart wants. E o meu queria o fichário Poli da Tilibra. Não teve.

Este ano, numa das andanças de bicicleta por Santo André, reencontro o fichário. Empoeirado dentro da embalagem, em uma banca de jornal/ papelaria/ loja de conveniência que parei para comprar a Revista Piauí do mês. Foi instântaneo: eu o quis novamente. Desta vez, custava R$ 50 e eu tinha os R$ 50. Comprei e um pedaço perdido de mim se completou naquele momento.

Tudo isso para dizer que, ao ouvir Outkast e comprar o fichário Poli da Tilibra, percebi que, numa metáfora bem rasa, as minhas ambições atuais não são inatingíveis. Elas simplesmente podem não acontecer na hora que eu quero. Foi o estopim: estava arquitetada a Crise Pré-28.

Já estou naquela fase que não pedem mais meu RG para entrar no bar (isso aconteceu até meus 24, 25 anos). Estou naquela fase que ganhar 1 kg faz diferença sim, principalmente nas calças jeans (que já foram 34, hoje estão no híbrido entre 36 e 38 - bem que poderiam fazer uma calça 37). Naquela fatídica fase em que perder uma noite de sono custa muito: uns bons dois dias de dor de cabeça, irritabilidade e fadiga. Que a pele do pescoço começa a formar linhas, as pálpebras já estão perdendo colágeno e os fios brancos vão brotando aos montes. Estou nesta fase aí.

No momento em que as redes sociais (Ah! As redes sociais!) esfregam diariamente na minha cara o quão felizes estão os meus amigos. Casando, viajando, parindo, escrevendo livro, plantando árvore, abrindo negócios, morando sozinhos, indo morar fora, ganhando dinheiro e prêmios, em empregos há mais de 2 anos. Ah! As redes sociais!

E em meio a tudo isso, bate aquela angústia: "O que eu estou fazendo da minha vida? Aos 27 anos, moro com meus pais, não tenho passaporte ou carteira de motorista, não viajei, não fiz pós, não passei no Mestrado, não tenho uma poupança ou previdência privada. O que caralhas eu estou fazendo da minha vida?" Num reipante de lucidez e maturidade, eu me acalmo, respiro dentro de um saco de papel e respondo para mim mesma: "Eu estou sobrevivendo da melhor forma possível."

Em suma, é isso. A gente vai levando as coisas da melhor maneira possível ou o mais próximo disso. Todas as vezes que a angústia bate, eu tento pensar nas minhas realizações que, aos olhos das redes sociais, podem ser banais. Mas eu sei quantos pães com banana tive que comer para chegar até aqui. Nem por isso eu sou melhor ou pior que ninguém. Logo, qualquer comparação é ridícula e totalmente equivocada.

Uma das coisas mais legais de envelhecer é a experiência. Não aquela para ostentar no LinkedIn, Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Pinterest ou qualquer outra rede que seja. Aquela sensação de quase epifania quando algo parece ruim ou angustiante e você lembra: "Calma, já foi pior, você aguenta". E aguenta mesmo. Primeiro, porque precisa. Depois, porque sabe que não é o fim do mundo.

Claro, tem coisa que ainda dói. Dói tanto que eu nem falo, deixo quieta ali. É melhor. Porém, muitas das coisas que doíam já não importam mais. Ontem mesmo me senti madura por perceber que não me importava mais com as richas da faculdade. Observando as pessoas mais novas que estão nesta fase bem caótica, percebi que nada disso faz mais diferença na minha vida.

Mesmo no trabalho: nada do que me machucou ou diminuiu em todos os estágios, redações e agências que passei me machucam mais. Ao contrário, até consigo achar graça disso. Atualmente, olho para trás e dou risada e, no fundo, até tenho saudade.

Todo esse textão para dizer que 95% das coisas que te importunam, angustiam e machucam hoje vão fazer diferença daqui cinco, dez, quinze anos. Elas se dissolverão, abrindo espaço para novas angústias, novas preocupações, novas mágoas - e também novas conquistas, novos aprendizados e momentos de satisfação.

Minha Crise Pré-28 está de boa. É como todas as outras, mas com uma versão melhorada de mim mesma. E em constante evolução, porque tem coisas a dar com o rodo que ainda preciso melhor (ser mais sucinta, por exemplo).

Sabe o fichário Poli da Tilibra? Tá aqui, na minha estante. Novo em folha, intocado. Eu queria tanto, e está lá, parado.

Quantas coisas na nossa vida a gente deseja com tanta força e, por fim, deixa acumulando poeira? Pense nisso. Eu vou pensando daqui.