segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Capítulo VIII

Leia antes:


Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI
Capítulo VII


Acordou com raiva do mundo. Ela simplesmente não queria olhar a sua volta e ter que aturar tanta mediocridade. Hoje, mais do que nunca, tinha preguiça das pessoas.
Nem era feio o tal dia. O astro-rei já cobria a janela da cozinha vermelha quando o relógio em forma de vaca com um sorriso que se assemelhava ao gato de Alice indicava 8:23 da manhã. Uma terça-feira de sol, com uma leve brisa que trazia o cheiro das frutas do mercado à frente.

"Mesmo com o sol, mesmo com o aroma, mesmo com essa vaca plástica pendurada na parede, hoje estou com preguiça do mundo". Assim pensou nossa tinhosa protagonista, cansada demais para lembrar que dias mais infelizes já tinham acontecido.

Nada em especial indicava que aquele seria um dia ruim. Era apenas o mal-humor matinal misturado a uma sensação de saber o que vai acontecer de ruim, um pouco antes de, de fato, acontecer. O silêncio que precede o esporro. Ainda bem que ela não costuma acertar sempre. Quer dizer, quase.

Ainda terminando as caretas de quem acaba de se espreguiçar, ouviu a sineta da campainha. Era antiga, como tudo naquele lugar, menos ela. Ela era o único toque de frescor em meio a tanta coisa já antes mofadas.

Levantou-se com sua camiseta de listas desbotadas, suas meias no chão e a calça de moletom velha com "juicy" escrito em gótico no seu traseiro. Aquela calça já rendeu vários comentários engraçados.

Tentou espiar quem haveria de ousar perturbá-la tão cedo naquela manhã. Mas os olhos ainda colados, parte pelo sono, parte pela preguiça, não deixaram utilizar o olho mágico da porta. Abriu-a.

Um sujeito narigudo, de dentes amarelos e cabelos acinzetados, com um boné amarelo e uma camisa pólo cinza a esperava. Em um ato meio robótico, ele estende os braços, dizendo com falso entusiamo:

- Roses for a rose.

Infinitamente intrigada, ele recebeu-as e agradeceu, tirando alguma moeda perdida no seu bolso de moletom. Estendeu-a, mas o ajudante não aceitou:

- Sorry missy, that´s not our money.

Sem jeito, ela procurou no outro bolso. Encontrou uma goma de mascar, um clipe de papel, um bilhete com versinhos em 4 idiomas diferentes e uma chaveiro do Buda da Prosperidade. Não pergunte jamais como aquelas coisas foram parar no bolso da calça de dormir (sim, existe roupa de dormir, que não é pijama, é roupa de dormir...) da moça de boca rouge.

Entregou tudo ao homem narigudo, que meio desnorteado, aceitou e foi embora.

Fechou a porta pegando agora o centado que havia oferecido inutilmente ao entregador, o buquê e uma vaca de pelúcia, trazendo um cartão.

(Pausa para uma das partes mais importantes da nossa história:

Logo, aquela que ainda não tem nome, será Substantivo Próprio, aguardem e confiem.

Fim da pausa para uma das partes mais importantes da nossa história).

Colocou tudo no balcão com toalha quadriculada, que já abrigava dois porta-cookies de vaca e parou para ler o cartão. A letra inclinada, quase lapidada, era familiar. E traziam o seguinte:

Cara Evy...

Foram feitas flores, pessoas e símbolos. Esses viraram letras. E disso foram feitos os amantes. E dos amantes, foram feitos os poetas. Das poesias, fizeram-se os músicos. E dos músicos, fizeram-se as canções.
Eis a sua, do seu músico que não é poeta, só amante, para sua mais bela rosa:


Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu

Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza

Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em prece comovente de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer


Não havia assinatura. Não havia nem sequer uma rubrica. Ou até mesmo um codinome. Um heterônimo. Nada além de uma lasca de quartzo rosa colada ao fim de fenecer...

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pimenta

Aproveitando todo o suco gástrico tão ácido e borbulhante que me renderá uma úlcera aos 21 (dramático não?), deixo a polêmica:

"Humanos dão muito trabalho. Adote um cão".

Irrefutável.