domingo, 27 de junho de 2010

Salxicheiro

Hoje, mais do que nunca nesses 12 anos, senti falta do meu avô.

Há 12 anos era sábado, e depois de uma tarde inteira na igreja que frequentava, carregando tijolos para fechar a parede que faltava, ía para casa.

Virávamos a esquina quando um vizinho veio dar os pêsames ao meu pai e dizer que sentia muito. Nem havíamos entrado em casa e sabíamos: ele não estava mais lá. Ele se foi sem eu dizer que odiava o perfume que ele usava, mas gostava quando fazia a barba.

Ele se foi sem contar a última história das salsichinhas que moravam atrás do sofá, juntamente com o vidro de azeitonas que o diabético teimoso comia escondido. Ele se foi sem me dar tchau e me levar para pescar na represa como havia prometido.

Ele se foi. Nunca pediu desculpas por todas as grosserias que disse a meu respeito quando eu ainda estava envolta por líquido aminiótico. Quando o sócio dele foi me visitar e deu os parabéns pela neta de olhos azuis como o do pai e da vó que havia nascido.

Se foi e me deixou só com o adesivo do Corinthians que pedi, na esperança de sentar ao lado dele e ver os jogos. Mas minha avó me deu um copo do São Paulo e aos 5 anos de idade eu me tornara a decepção de 3 gerações de corintianos.

Mais do que nunca senti falta dele. Dos nossos passeios de jipe até longe e os picolés que comprava antes do almoço. Queria que estivesse aqui, dizendo que minha letra parece com a dele e vendo os filmes do Elvis comigo.

Me dando um balde de sorvete e dizendo que eu sou forte e iria aguentar tudo, mesmo sendo pequena e magrela. Mentindo docemente para aliviar as dores que um pai, na ânsia de amadurecer o filho, não consegue.

Avó é mãe com açúcar. Avô é pai com ketchup.
Faz 12 anos vô. Queria que me xingasse por torcer pela Argentina e chamasse o Messi de nanico narigudo.

Que esquecesse meus quase 22 anos e entregasse o Estadinho para eu ler, como sempre fazia. Que reclamasse do macarrão ruim da vó, da gelatina de morango e do chá de alpiste que tomava para a diabete baixar.

Sinto sua falta e derrubo lágrimas por você com 12 anos de atraso.

O bigode mor

Homens velhos, barbudos, bêbados e mortos sempre vem me ajudar.

Com vocês, Leminski:

essa idéia
ninguém me tira
matéria é mentira

coração
PRA CIMA
escrito embaixo
FRÁGIL

isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além


você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo

nem fale em amor
que amor é isto

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Empirismo da morte

Morar perto de cemitério desde sempre me trouxe uma das poucas verdades absolutas e imutáveis: todos teremos o mesmo fim.

Já cansei de passar em frente ao cemitério e ver pessoas inconsoláveis com a perda de alguém que até outro dia estava do lado delas. Algumas, já esperavam. São famílias de ex-doentes que acalmaram seus corações sabendo que agora não haveria mais dor.

Esses casos são simples. Quando a dor é maior que a vontade de viver, é melhor ser levado por cinistro seifador. Já preparamo-nos e preparamos os outros para que saibam logo: a verdade absoluta está perto.

Há os casos menos simples porém: a interrupção de vida acidental. Jovens, crianças ou adultos, no auge de sua vida, não mais ali. Os planos solitários, os planos em conjunto, os não-planos, tudo agora desce com o caixão para um retângulo na terra.

O choro inconsolável de quem ama, que não entende porque agora, porque eu, porque comigo. A vontade de pular junto ao pedaço de carne já sem vida e desejar fazer parte daquilo. Acredito que os lamentos sejam a forma mais genuína de se resignar ao fato de que nunca mais teremos aquela pessoa ao lado.

O múrmurio rebate a dor, dizendo que vai passar. Que tem que passar. Que a vida continua. A vida sempre continua, até que se tenha a morte. Mas agora não é a mesma vida. É uma vida sem uma das vidas que a completava. Ninguém pode ser consolado nessas horas.

Já disse Silvio Santos: da vida não se leva nada.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

100100tido

Sempre cheia de palavras para esvaziar o peito
Encho-o agora e deito
Calada no meu leito
Para não me machucar

A cegueira é passageira
A surdez é momentânea
A falta de tato é corriqueira
A mudez é instântanea

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Gaiola de peixe

A coisa mais frustrante do mundo é querer muito algo e dar errado. Isso é unânime.

Não importa o que seja, se você quer e não tem, te entristece.
E tenho estado muito triste. O que quero está perto mas eu não alcanço.

Posso ver e não posso pegar. Consigo ouvir, mas não estou tão perto quanto gostaria. De rasgar a caixa dos peitos de tanto que dói.

Eu odeio a sensação de que nada pode ser feito. Essa resignação maldita de quem está do outro lado do vidro vendo tudo passar. E com a sensação de que deveria ter ficado.

Um aquário humano. Um aquário desumano que separa. Que filtra. Mas não ptrecisa filtrar, já é puro.

Querer não é poder. Frase sábia e sóbria que eu odeio. Mas é real. O meu ódio e a retórica são reais.

Quero-quero, patativa, bem-te-vi.
Mal-te-vi.
Mal-chegou.
Mal-estar.
Mal-estou.
Bem-estar.
Bom estar.
Com você.

domingo, 13 de junho de 2010

Era rascunho de junho, publico então agora. Na época, não tinha nome. E vai continuar assim. Tem coisa que é melhor não mexer.

Tudo no mundo tem um preço.
Nem tudo no mundo tem um valor.
Tem gente que não vale nada.
Tem coisa que nos vale muito.
Tem vale que não tem nada.
Tem nada que pode ser tudo.