terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sandman traficante

"Eu sonhei novamente contigo. Que te procurava entre um prédio de apartamentos antigos que nunca vi. Janelas com persianas quebradas que só revelavam metade do que se passava naquela sala iluminada por lâmpadas incandescentes.

Sonhei que você parecia confortável e feliz, acolhido e sossegado como nunca pareceu ao meu lado. E que seu pai, vendo a minha melancolia, me oferecia uma carona e sorria de maneira que me animasse. E eu sabia que era sincero. No final te encontrava, com os pés e braços rabiscados, cheios de sorrisos desenhados com canetas hidrográficas por meninas que viram suas qualidades e se apaixonaram, assim como eu."

Acordei e percebi que era só mais um sonho, daqueles que você costuma invadir sem pedir licença do seu jeito meio malandro, meio mané. E quando percebo o que faz, me desfaço, em palavras ou lágrimas, em cima daquele caderno preto que marca todos que me marcaram. E que passaram.

Acho que o homem da areia do sono andou batizando-a com outro pó.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Pra falar difícil

Adoro e detesto essas vicissitudes e idiossincrasias que eclodem em sua personalidade. Sua falta de estabilidade me revolta, mas seus vícios me viciam.

Há tempos a lucidez deixou-me e lá estava eu, dando vasão a sentimentos soterrados pela lógica. Que estavam enterrados no meu âmago, esquecidos e inertes.

Me permito esse tipo de gincana emocional e mental contigo - e tão somente contigo - porque da mesma maneira que me desnorteia, me traz uma vivacidade que só a ferocidade genuína do inédito provocam.

Cada conversa contigo é um mais do mesmo inédito, um ciclo vicioso e viciante. Me faz mal, mas eu não consigo deixar de querer.

É um convívio diário à distância, inconstante. Uma mente que eu nunca sei quando mente. Uma razão tão desprovida de coração e tão fria que dói. E uma dor tão desconcertante que me impede de prosseguir.

Mas ainda me desvencilho disso. Ainda deixarei essas possessões de lado. Esse medo de perder o que nunca tive vai passar.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Efeitos colaterais do coentro


Após a ingestão concentrada de coentro durante duas semanas, estudantes que integravam um projeto pela Universidade Metodista de São Paulo e Faculdade de Medicina do ABC apresentaram um quadro crônico de nostalgia.

Ainda não foi feito um estudo ou exames aprofundados, mas dentre os sintomas, destacam-se: crises noturnas de choro, saudade e a vontade de rever e reviver todas as ações realizadas no distrito de Canudos Velho, no sertão da Bahia.

Dizem ainda que as propriedades da folha tiveram efeito afrodisíaco e que um casal foi formado durante a expedição. Segundo entrevistas, os sintomas foram agravados após a festa do padroeiro da cidade, São Pedro. Os níveis de endorfina também apresentaram alterações e há quem afirme que seja por conta do tempero.

A ciência não contesta, mas também não afirma se a real motivação dos fatos é a ingestão constante de Coriandrum sativum, nome científico da planta. Também conhecido como coriandro, é altamente usado na gastronomia para auxiliar na digestão de comidas pesadas.

Após o surto, estima-se que seja realizados testes que apontem alterações no diencéfalo e hipotálamo dos participantes, agora sem a ingestão de coentro para averiguar se o comportamento se deve ao cardápio baiano.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Teia

Acabei de voltar de um bar com duas das minhas melhores amigas da vida inteira. Elas se juntaram em um complô etílico para afirmar que eu tenho a capacidade de fazer os caras gostarem de mim sem fazer esforço, mas que inevitavelmente, acabo gostando justamente de outro, ao inverso daqueles que eu supostamente atraio.

Discordo totalmente. E quando digo isso, digo porque todos os caras que fiquei e namorei é que vieram atrás de mim. Uns mais insistentes, outros menos, mas enfim, o interesse sempre partiu deles. E eu correspondia ou não.

Justamente por essa razão, eu simplesmente acho que o problema sou eu por estar sozinha. Talvez seja exigente demais, ou complacente de menos, não sei. O que sei é que estou sozinha e às vezes, por mais que bata uma carência, estou bem com isso.

A meta do momento é não me envolver intensamente com ninguém. E como não sou capaz de me envolver sem ser intensamente, a meta é mais objetiva ainda: não me envolver com ninguém.

Viajo para Canudos daqui uma semana, tenho uma porção de pendências profissionais para resolver e viver amargurada por conta de um coração partido não está entre as resoluções de 2012.

E ele já foi partido esse ano. Duas vezes. A primeira por alguém que me pediu em casamento em uma estação de metrô, depois de ser roubado junto comigo. Eu estava brava e desesperada, e ele, com seu otimismo de sempre, olhou nos meus olhos e disse: "Se ficarmos juntos durante um ano, você casa comigo?". E eu, essa alma libertária que tem pânico da palavra casamento, disse sim.

Dois meses depois ele me deixou, justificando-se com a falta de tempo e a ambição profissional, que era maior do que o afeto que sentia por mim. E por mais doloroso que tenha sido, eu aceitei e respeitei a escolha dele. Aliás, tenho feito isso há muito tempo e o admiro ainda mais por sua sinceridade.

O segundo apareceu na sequência e parecia estar apaixonado. O problema é que ele não sabe o que quer, mas só o que não quer. E ele simplesmente não quer. Novamente, eu respeito e aceito a decisão dele, porque se tem uma coisa que não podemos mudar na vida das pessoas é o seu querer. Achar que vai fazer alguém se apaixonar, ou ficar ao seu lado é tolice, coisa de cartomante charlatã. Pode ser que dê certo por um tempo, mas depois se esvai.

Então, algumas cervejas depois, cá estou abrindo meu coração para fechá-lo de vez: eu não quero gostar de ninguém por um bom tempo. Porque eu não sei gostar sem querer, querer sem ficar perto e ficar perto sem criar expectativas. Sou dessas, românticas incuráveis, quase uma francesa segundo dizem. Dessas que vivem morrendo e sofrendo por amor - mas de uma maneira bela, contam.

O problema de fato sou eu. Sou desinteressantemente intessante, como um aracnídeo que atrai as pessoas para sua teia sentimental e quando vai desfrutar sua presa, acaba deixando-as irem embora. E isso justifica o fato de eu estar tão magra, comentário quase unânime dos amigos que agora me vêem, abatida.