quarta-feira, 8 de julho de 2009

A avó dos meus netos, o pai do novo jornalisto e a lei de Murphy

Sabe o mendigo sujo na fila da sopa? Imagina que na vez dele, a sopa acaba. Pense na grávida que queria "aquela" caixa de morangos que a velhinha da frente acabou de amassar e vai levar para fazer geléia. Pense na legião de fãs que comprou ingressos e não viu o Michael Jackson. Nos corintianos na final do Paulista, que madrugaram no Pacaembu e não conseguiram nada além de vídeos engraçados de pessoas embriagadas. Pense em todo mundo que algum dia quis muito alguma coisa e por causa da Lei de Murphy, não conseguiu.

Agora começo meu relato. Desde 2007 ouço aulas e aulas sobre o Novo Jornalismo, toda sua revolução, a Revista Realidade e todo o resto das influências americanas que fizeram toda a diferença na imprensa brasileira. Ela se resumia a um nome: Gay Talese.

Livros, aulas, apostilas, provas. Tudo citando esse tal que mudou a forma como eu vou trabalhar. Eis que em plena segunda, um ser de luz, vulgo Paula Franco, me manda uma mensagem via Twitter (alguém finalmente achou uma utilidade para o Twitter!): Gay Talese de grátis (sic) no MASP. Vamos?
Com toda certeza que sim, ainda mais às 19h30 e sendo do lado do meu trabalho. Os ingressos seriam distribuídos à partir das 18h30 e como levo apenas 15 minutos até lá e saio às 18h, isso estava resolvido.

Eis que ontem, às vésperas de sair do trabalho, eu olho no relógio com doce satisfação. Ele marcava 18h04 e eu estava no elevador, feliz por saber que veria essa lenda viva, o pai do novo jornalismo. De graça.
Cheguei na estação Trianon-Masp. Eu, completamente desorientada, questiono ao dono da banca, para que lado fica o MASP. "Na próxima esquina", ele responde, apressado. Lá vou eu, camelando feliz e ignorando os dedos sendo espremidos pelas botas não laceadas que insistiam em beliscar todos os meus dedos de todos os meus pés (dois).

Estava em frente ao que parecia ser o MASP. Presumi por causa do número de pessoas em frente. A fila contornava toda a entrada e fazia uma curva para dentro, formando um labirinto. "Aqui é a fila para ver a palestra do Gay Talese?", pergunto, na esperança de que a moça respondesse que não, era apenas distribuição gratuita de cachorros quentes vegetarianos. Mas o "é" dela me quebrou no meio e logo imaginei a probabilidade de ficar do lado de fora.

Enchi-me de otimismo, mesmo procurando inutilmente o ser de luz em algum ponto adiante na fila. Havia ligado para ela, mas como o metrô não tem sinal, não conseguiu me atender. E eu não sabia que ela estava no metrô, mas isso é indiferente. Uns 20 minutos após chegar na fila (mais precisamente 18h18), avisto o ser de luz quase caindo de boca na calçada para me achar. Sorte que fiz uma plaquinha escrito "Paula", senão ela jamais me veria (momento de sarcasmo, pois a placa era minúscula).

Ficamos na fila, conversando sobre a vida, o Universo e tudo mais. Eu já tinha saído do labirinto porque a fila andou. Estava quase contornando a fila da reta final da fila (é, assim mesmo, complexo uma fila para pegar fila), quando um sujeito alto, com cara de contador simpático se aproximou e informou que até o momento todos os assentos estavam ocupados, depois dali, só entrariam mais 50 pessoas e mais ninguém.

Já estava lá de pé, não custava nada ficar mais um pouco. E assim foi. A fila continuou andando até eu ficar bem perto da faixa que limitava os seguranças e o contador simpático da escada que me levaria ao pai de um estilo jornalístico. De repente ela para. Faltava pouco, mantivemos nossos postos. Afinal, valia a espera. Cada bolha no pé, cada minuto aguardando, cada palavra de incentivo. Vale tudo.

Meia hora após a pausa dos 50 sortudos, a fila começa a se mexer. As pessoas da frente passam. Vou me aproximando da faixa. Estou quase entrando quando surge do além, do nada, do infinito, uma mão composta por um braço e um tronco trajando um terno azul Roberto Carlos que despedaça meus sonhos dizendo "Parou aqui". Parou na minha vez! Não tinha uma pessoa na minha frente. Eu era a pessoa da frente.

Repleta de perplexidade, não consegui emitir nenhuma palavra. Indignada, o ser de luz diz que acabou é o caramba. Crio forças e solto que sou magra e caberia em qualquer espaço, por menor que fosse. E caso fosse preciso, ficaria no corredor, só ouvindo o Gay Talese falar. O segurança não se convence. Chega novamente o organizador do evento, vulgo contador simpático e diz que ninguém mais entraria, ele lamentava muito. Ninguém mais? Como assim? E eu? E a Paula? A Paula tinha que estar dentro, pelo menos pela inglória piada do Paula dentro. Mas virou Paula fora. Esperamos mais uns 10 minutos depois que os seguranças começaram a restringir a área. Eu ainda carregava um ínfimo fio de esperança. Doce ilusão. Na verdade, amarga.

Após uma hora e quarenta minutos em pé, na fila, prestes a construir a história que contaria para os meus netos (Meu querido, a sua avó viu uma palestra do Gay Talese... ele era tão fantástico), Murphy destruiu minhas chances. Desolada desse jeito, só uma coisa para completar meu "rolê paulistano": Mc Donald´s. É, Av. Paulista + fila+ Mc Donald´s= Rolê Paulistano.

E é essa a história que contarei para os meus netos. O dia em que quase vi Gay Talese e acabei comendo no Mc Donald´s. E o quanto Murphy riu da minha cara.

5 comentários:

Acacia disse...

Ahhhhh, que raaaiva dessse seguraaançaaa!!!

Anônimo disse...

Nossa você conseguiu me fazerrir e chorar com o belo texto da sua história... poxa estava torcendo para que o final não fosse o que eu esperava, putz...


pelo menos não perdeu o rolê (foi pro MC).
Mas puxa que pena que você teve que passar por isso. Talvez você não tenha sorte, talvez não teve tempo, talvez não era para você entrar, ou talvez vc ainda consiga ve lo em outro canto, ou quem sabe era para simplesmente ser assim.
Faz algum tempo que não passo aqui, parabéns a sua pequena jornada fracassada rendeu um belo post!

bjus

Cíntia Alves disse...

Alô, Brasil! Eu passo meu cargo de A AZARADA DO ANO - sim, sinto-me assim sempre que lembro de que uma professora e o Coordenador do curso de Jornalismo da Metô me pegaram bêbada na enfermaria da Universidade - para a brilhante Elsa Villon, que mesmo contando um fato que põe lágrimas nos olhos de qualquer jornalista wannabe, consegue fazê-lo com um texto incrível.
Pega que o troféu é seu, amiga!

Unknown disse...

hauahu a história acabou sendo mais legal para nós leitores (pelo fato de você não ter entrado) do que se tivesse conseguido (algo que seria muito mais divertido para você).
ahuha tudo tem seu lado bom! Excelente post!
Beijão amor.

Heloisa Moraes disse...

uma experiência infeliz, mas muito, muito bem contada! parabéns, ficou óooootimo!!!
showdebola!
beijones!