segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo VII

Leia antes:

Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VI

Pingava do lado de fora. Pelo vidro, via tudo o que não podia tocar. O céu cinzento. A grama recém enxarcada pela chuva de primavera. Mas não era primavera. Estava frio. E úmido. E cinza. Mais do que nunca estava cinza.

Pingava do lado de dentro também. Daquela que calava no beirau da janela, só observando. Chovia. E ela sentada, de calças largas e descalça. Com uma caneca na mão. Aquela caneca que não era só caneca. Era consolo. E abraço. E saudade. Tudo isso num pedaço cilíndrico com uma alça e o desenho pueril de um ruminante. Quanto lhe era cara e querida aquela caneca.

Os pés descalços acalentavam o piso de tacão cor de tabaco. Estava quente, apesar do frio lá fora. Do frio e chuva atípicos. Deixou de lado a janela. Sentou-se na chase long de veludo azul cobalto, recoberta pela manta de cashemira branca que ganhara do mesmo provocador de saudade da caneca. Tudo naquele lugar lembrava-o. Tudo estava conectado, interligado a ela.

Naquela que pingava por dentro e que também estava cinza, ficava um pouquinho da manta e da caneca. Encostado em algum lugar sem luz, meio empoeirado e talvez com bolor. Mas ficava. É como aquele livro velho de infância, caindo aos pedaços, mas que está sempre lá, no lugar de sempre.

Pousou a caneca no compensado rubro. Esse abrigava mais ruminantes. E os ruminantes abrigavam cookies. De chocolate. E muffins. E brownies. Todos moravam dentro do limite quadriculado que morava no tampo rubro. Que morava com a caneca, com a manta, com a chase long. E com a moça.

Não suportava mais aquele livro velho guardado dentro dela. Traças o comiam. O bolor o revistava indecentemente. O pó encrustava-se em sua capa. Tudo aquilo dentro dela.

E ela, dentro do apartamento. E do lado de fora, a chuva cinza...

2 comentários:

Anônimo disse...

Séculos de melancolia gelada, embalados na saudade corrosiva que vem com a chuva.
Bonito e verdadeiro, mas familiar acima de tudo.
Me chame da próxima vez que chover.

silvamedal disse...

Não sei se antes... se depois...

Her clothes were almost off
Outside, a curious tree
Beat a branch at the window
To see what it could see.
"Rimbaud"