sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Temporariamente sem nome



Capítulo I


Calçou seus novos sapatos de salto alto e couro italiano, tragou seu cigarro de cravo e retocou o tom rouge em seus lábios. Saiu à procura de algo que não sabia. Queria encontrar, mas não podia.
Era difícil entendê-la, conhecê-la. Em seu longo e liso cabelo, uma aura de mistério e cadeados a envolvia. Sua endoma de sigilo tornara mais bela ainda aquela face de olhos cinzentos.

Magra, alta e esguia, todos achavam que deveria ser modelo. Ela apenas respondia que preferia usar o cérebro às pernas. Entre risos e caretas, era evidente o que todos entendiam: que a bênção de Afrodite pairava sobre ela, mas que era apenas um artefato. De fato, Atena sempre lhe fora mais sensata.

A noite chegou mais cedo. O frio já era denso. A chuva era fria e cortante. Tudo isso naquele cenário de ruas estreitas e janelas curiosas que esperavam a dona da boca em rouge, dos sapatos de salto alto e couro italiano e do véu liso e longo do mistério.

O tempo era brinquedo nas mãos daquela mulher. Ela poderia fazer uma hora tornar-se tão longa quanto a eternidade. E 100 anos poderia ser o tempo de tomar um gole do seu prezado chá preto com leite e limão (pessoa peculiar, gostos peculiares). Isso já lhe rendera muitas crises do estômago, mas ela superava e logo voltava ao causador de sua moléstia.

Morava sozinha em um pequeno apartamento no décimo terceiro andar. Para muitos, o andar de mau agouro. Para ela, apenas um andar que dividia o décimo segundo e o décimo quarto. Não se preocupava com superstições. A força do pensamento era o poder mais eficaz do homem. Pena que ele nunca tenha notado isso.

E era lá, no seu pequeno apartamento que ela fazia seu mundo. Paredes pretas com a borda prata, uma cozinha de vermelho vivo, seu quarto aconchegava calmamente um azul Royal que o tornara mais fóbico ainda. Era difícil conter o choque de antíteses: fóbico aconchegante? Como isso é possível? Não há clara explicação. Mas de fato, essas eram as duas palavras que corriam a mente em primeiro instante dos que tinham a graça de pousar o olhar sobre tal cômodo. Essa graça não era concedida a todos. Poucos eram dignos de conhecer e/ou freqüentar aquele mundo do décimo terceiro andar.

De fato, o quarto não era seu cômodo favorito. Servia para seu repouso, para guardar sua enorme coleção de sapatos e suas roupas.

Seu lugar favorito no mundo apartamental à sua volta era a cozinha. Sim, o vermelho vivo a mantinha de alguma forma mais quente. Nem sempre fora da elegância e sofisticação agora citados. Antes era impregnada por um nauseante papel de parede com estampas envelhecidas de cerejas. Ele recobria do chão ao teto, dando-nos a terrível sensação semelhante ao que seria estar preso em um pote de cerejas ao marrasquino. O síndico disse que ainda era preservado porque era de estimação. Estava lá antes dele , aparentemente desde os anos 40.

Não presa ao que o passado insistia em prender, a primeira coisa que fez ao comprar o apartamento foi justamente retirar aquelas extravagantes e velhas cerejas. "O mundo se apega demais ao que é velho, deixando menos espaço do que deveria para o novo", pensava. Mas não era ao todo fria: emoldurou uma enorme cereja e ela ficava pendurada bem acima da geladeira, ao lado do pingüim vestido de mafioso que morava lá em cima.

Um comentário:

Marcelo Mariano Melo disse...

HUm vamos ler o segunda capítulo, que para mim vai ser o ultim pq ja li o terceiro..

rs.